quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ai Weiwei na Unilever Series

Tomei ontem conhecimento da realização de uma iniciativa particularmente interessante que não resisto a publicar aqui! Trata-se da mais recente instalação escultural da já conceituada Unilever Series, exposta anualmente e de forma gratuita na Turbine Hall da Tate Modern, em Londres.

Este ano, o artista convidado foi o chinês Ai Weiwei e a proposta por este deixada tem o nome "Sunflower Seeds". Para quem não conhece a iniciativa, basta dizer que todos os anos a marca Unilever comissaria um artista plástico a instalar algo surpreendente na reputada galeria inglesa, sendo que desde há algum tempo que a iniciativa é um enorme sucesso, pois quase todas as ideias apresentadas têm sido realmente inovadoras.


Imagine-se então o que são 100 milhões de sementes de girassol a cobrir a superfície da sala de exposições e com as quais é possível o contacto - uma experiência realmente sensitiva num espaço onde normalmente pouco ou nada se toca ou mexe! Até estou a imaginar os alarmes... Depois, todas e cada uma destas sementes não são orgânicas, mas sim resultado de um trabalho manual, feito em porcelana, por centenas de artífices chineses instalados em oficinas da cidade de Jingdezhen, que depois de as moldar também as pintaram. Cada semente é, portanto, única e o padrão formado no final permite interpretações improváveis.

"It's a work about mass production and repeatedly accumulating the small effort of individuals to become a massive, useless piece of work." - Ai Weiwei

Fiquei admirada não só com a dimensão do projecto, mas com a possibilidade de interacção do próprio público visitante, algo não muito comum em mostras do género. Infelizmente, este mesmo contacto foi entretanto proibido pela direcção da galeria, já que a interecção das pessoas com as sementes de porcelana criava pó que, ao que parece, colocava em risco a saúde dos visitantes...


A ligação entre a porcelana e a China é directa, bem como os métodos tradicionais de produção que aqui permitem uma perspectiva alternativa da etiqueta "Made in China" aquela que foi convencionalizada. De acordo com informação disponibilizada pela Tate Modern, as sementes de girassol têm inclusivamente uma carga simbólica para o povo chinês, já que os girassóis estavam presentes nas representações propagandísticas de Mao Tse-tung durante a Revolução Cultural e a sua partilha ainda hoje é interpretada como um gesto de compaixão humana, que lembra a persistência da amizade, mesmo em tempos de repressão e pobreza extrema.

E ainda há quem diga que não aprecia Arte...

4 comentários:

Unknown disse...

Uma iniciativa louvável da Unilever e um obra singular, sem dúvida, do senhor Ai Weiwei. Mas já agora uma questão:

Quanto é que ganharam as centenas de artífices chineses que trabalharam para o sucesso do senhor Ai Weiwei?

Será que eles ganharam o suficiente para poder ir a Londres ver o resultado do seu trabalho? Ganham o suficiente para apreciar Arte? Ou será que ganharam apenas o suficiente para alimentar a familia? Ou nem isso?

No caso desta obra dá-me mais que pensar sobre as pessoas que nela trabalharam do que o significado da obra.

Annouk disse...

Tudo questões pertinentes, Fernando, e a que, infelizmente, não creio ter resposta pois não vi nada escrito sobre o assunto. Ainda assim, atrevo-me a imaginar que um grupo cauteloso em termos comunicacionais - como será certamente a Unilever - não se manteria associado ao projecto caso fossem descobertas "injustiças" ou "irregularidades" como as que referes... Não obviamente pela queda irreversível da iniciativa, mas pela marca indelével no histórico mediático da marca...

Unknown disse...

Warning: long reply!

A assunção de que a Unilever é cautelosa na sua imagem e que não se associa a projectos pouco abonatórios à sua imagem despertou-me o interesse e como tal decidi fazer uma pesquisa rápida.

Em relação à Unilever, segundo li na Wikipedia, está a tentar promover uma atitude social responsável para se tornar uma empresa sustentável. No entanto, enfrenta diversas criticas devido a questões de direitos humanos e ambientais. (http://en.wikipedia.org/wiki/Unilever)

Outras grandes empresas que procuram ser cuidadosas na sua imagem também têm os seus lados negros. Ex: Adidas, Nike, Apple, etc.


Em relação à exposição, também apurei que a dita obra é o resultado do trabalho puramente manual de cerca de 1600 artesãos chineses durante dois anos. Uma conta rápida, assumindo que não houve dias de paragem e que em cada dia se trabalhou 10h ininterruptamente, leva a que cada trabalhador tenha produzido cerca de 8,5 sementes por hora, ou 1 semente a cada 7 minutos. Se é um ritmo puxado ou não, isso já não é possível saber. No entanto, o que foi possível apurar é que o senhor Ai Weiwei pagou aos artesãos a "living wage", um pouco mais do que o costume. Quanto é o preço usual isso é que já não diz.
(http://www.guardian.co.uk/artanddesign/2010/oct/11/tate-modern-sunflower-seeds-turbine)

O senhor Ai Weiwei, à parte das suas qualidades artísticas, parece que anda com problemas com o regime chinês. Não deixa de ser algo irónico que o elemento central da obra, a semente de girassol, seja conotado com a propaganda do regime. (http://en.wikipedia.org/wiki/Ai_Weiwei)

No que toca à apreciação de arte deixo aqui uma reflexão feita por Andy Rooney da CBS

http://www.cbsnews.com/video/watch/?id=4235391n&tag=related;photovideo

Annouk disse...

Em relação a Ai Weiwei, e como certamente será do teu conhecimento, Fernando, não é o primeiro nem será o último artista a ter questões por resolver com as autoridades, tenham elas a legitimidade que tenham. São famosos os casos de outros homens e mulheres das artes que, nos mais variados períodos da História, se viram constrangidos por quem via neles uma ameaça. Quanto à ironia da obra que tem agora exposta em Londres, e ideologias à parte, não tenho dúvidas de que é absolutamente intencional e recordativa.

O filme da CBS News é engraçado e julgo que espelha um pouco daquilo que, de forma genérica, se pensa sobre o que não se compreende; seja Arte seja Física Quântica!

Ainda há pouco vi no noticiário da noite do canal estatal uma reportagem sobre a última instalação da artista Joana Vasconcelos em Lisboa - uma piscina gigante no formato de Portugal e colocada na vertical em plena Praça do Comércio. E pergunto: é para se gostar? É para se perceber? É para deitar abaixo ou "grafitar" logo que haja oportunidade? Ou é para interpretar, reflectir um pouco acerca, deixar que nos envolva de forma positiva ou negativa, independentemente de o visualizarmos ou não na nossa própria sala de estar?