quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Recuar ao tempo em que havia estrelas

A montagem inicial do tipo postal ilustrado deu o mote para a hora e meia seguinte. Em jeito de turismo histórico, "Midnight in Paris", o último filme escrito e dirigido por Woody Allen, proporciona ao público uma comédia nostálgica, de aventura e fantasia românticas, sobre a criação artística e os sonhos.

Gil (Owen Wilson) é um argumentista de sucesso em Hollywood que ambiciona vir a escrever algo realmente sério e substancial, um grande clássico literário. Mas uma visita a Paris com a noiva, Inez (Rachel McAdams), a que se juntam os cisudos pais desta (Mimi Kennedy e Kurt Fuller) e um casal amigo (Nina Arianda e Michael Sheen), despoleta uma crise.

Angustiado pela banalidade da cultura contemporânea e inflamado por uma idealização da Paris boémia de tempos ídos, Gil faz um passeio nocurno sem destino pelas ruas da cidade e é misteriosamente transportado para a década de 1920, vendo-se a conviver com figuras míticas como Francis Scott e Zelda Fitzgerald, Cole Porter, Gertrude Stein, Hemingway, Picasso, Dalí, Buñuel, Man Ray, Thomas S. Eliot, Henri de Toulouse-Lautrec e alguns mais.


Não chegando a conhecer nenhum anónimo nas suas incursões através do tempo, as grandes figuras do passado imprimem em Gil um entusiasmo ingénuo que cativa Adriana (Marion Cotillard), estudante de moda e amante de Picasso, por quem a personagem principal do filme inexoravelmente se apaixona. Mas Adriana parece tão descontente com o seu tempo como Gil e nem mesmo as palavras lidas de um diário por uma airosa guia de museu dos tempos modernos (Carla Bruni) vão ajudar a impedir uma separação.

O tom caracteristicamente meigo de Gil contrasta com o modo mimado e pigarreante de Inez e os interiores de um brilho dourado claro não chegam para atenuar o clima de tensão crescente entre a dupla. Pela inversa, o charme e a delicadeza de Cotillard conferem uma finesse inestimável ao papel de aluna de Coco Chanel, um rosto perfeito e um guarda roupa sublime a quem os maiores artistas de sempre pareciam não conseguir resistir.

O melhor momento do filme é, sem dúvida, o encontro inesperado de Gil com Salvador Dalí (Adrien Brody), absolutamente surreal, em modo e estado. Man Ray: “I see a picture”, Buñuel: “I see a film”, Dalí: “I see a rhinoceros".

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