domingo, 2 de outubro de 2011

Sem telemóvel és a primeira a patinar no curso de sobrevivência

Para resumir uma história longa, meti na cabeça que tinha de estar num ponto de encontro em Lisboa às 21H00, onde algumas pessoas me aguardariam tranquilamente para iniciarmos um passeio pedestre nocturno, mas muito perto das 18H00 recebo uma chamada telefónica que me faz cair na real: "Ana, o passeio começa às 19H00...".

Posto isto, não só ia pagando despesas numa loja com um cartão multibanco que não me pertencia, como trouxe comigo um saco de compras que não verifiquei ser o meu, "perdi" o carro num estacionamento (piso errado, é tramado) e quase apeei a minha mãe, sem culpa nenhuma no caso, em pleno Laranjeiro, para que voltasse para casa à boleia...

Eram 19H15 quando estacionámos em frente ao Espaço Monsanto para, juntamente com um elemento da Câmara Municipal de Lisboa, fazermos um passeio nocturno no interior do Parque Florestal de Monsanto. A ideia era vaguear pelos meandros do local e identificar várias espécies de flora e fauna que por ali coabitam, mas rapidamente percebemos que seria mais do que isso. O responsável pelo grupo revelou-se uma personagem... Atrevido e brincalhão no trato, um poço sem fundo de conhecimento sobre o parque, sobre a cidade, sobre demasiadas coisas interessantes face à minha parca capacidade de absorção esta noite.

Aprendi que para além de gaios, bufos, cobras, morcegos e pirilampos existem esquilos, lontras e gamos em Monsanto. Aprendi que a grande diversidade de espécies de árvores e arbustos que ali se encontram também se deve à passagem das rotas migratórias de aves cujas plumadas "infestam" o solo de sementes de origens distantes. Aprendi que o maior problema do parque hoje tem o nome de trepadeira exótica e consiste numa espécie agarradiça que mata árvores por asfixia, lenta mas eficazmente, cuja seiva não deve ser mexida. Aprendi que um líquen é uma mistura de alga e fungo, a partir do qual se pode atestar a saúde do parque, a direcção dos ventos e até a frente solar. Aprendi que dos ramos de giesta antigamente se faziam vassouras e que ainda hoje são usados para ajudar a acalmar incêncios. Aprendi que a fumigação através da queima de folhas de eucalipto virgem resulta particularmente bem com mosquitos, centopeias e outros animais que queremos do lado de fora de casa. Aprendi que o único mamífero voador é o morcego, ainda que sem asas, pois não possui mais do que uma membrana a partir da extensão do quinto dedo. Aprendi que o Aqueduto das Águas Livres se inclina 3mm a cada 3km e que alguns dos seus respiradouros permitiam deixar entrar o vento, possibilitando que o caudal descesse mais rápido e volumoso. Aprendi que o bairro popular da Madragoa deve o seu nome a uma madre caridosa de origem indiana, a quem se deveu a criação de uma vala comum e a encomenda da alma de muitos escravos ali mesmo sepultados. Aprendi que quem "ficou a ver navios" quando a corte portuguesa fugiu para o Brasil foi o comandante das tropas invasoras francesas, e daí a origem do velho ditado. Aprendi que os 32 brasões da Fonte Luminosa de Belém, uma das quatro de Lisboa, representam as antigas províncias do Império e que nem sempre as cores que reflectiu na água foram as mesmas. Aprendi que a zona com maiores índices de poluição de Lisboa é a Avenida da Liberdade e que a cada hora que lá passamos, estatisticamente, "perdemos" anos de vida. Aprendi que...

Não chegámos a conseguir ver animais, mas identificámos alguns pelo som. O barulho do grupo em caminhada e a irrequietude de algumas lanternas juvenis não ajudaram, mas o passeio valeu a pena à mesma. O Fernando conseguiu a façanha de se eclipsar por uma vala diante dos nossos olhos e ficou no ar a perspectiva de voltarmos ao parque para ver grutas, explorar canais subterrâneos e aprender ténicas de sobrevivência. Quem quiser saber mais pode aceder a http://lisboaverde.cm-lisboa.pt/ e ficar atento à agenda.

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