domingo, 27 de dezembro de 2009

"Sou ateu, graças a Deus!"

Há uns dias passei pelo cinema para ver um filme por mim algo antecipado - "Ágora", do realizador Alejandro Amenabar (também autor dos títulos Mar Adentro e The Others, para referir alguns).

Tratando-se de uma película claramente do "meu género", como outros depois rapidamente anuíram, o filme conseguiu, ainda assim, ser melhor do que esperava. Rachel Weisz (justamente oscarizada em O Fiel Jardineiro) oferece mais um desempenho excelente e a história, baseada em factos da vida de Hipátia de Alexandria (matemática e filósofa neoplatónica) reavivou duas ou três questões que, desde antes desse tempo e provavelmente para sempre, dividirão opiniões de forma mais ou menos acesa: a religião, o poder e a condição da Mulher.



Alguém um dia disse, em jeito de brincadeira (ou não) "Sou ateu, graças a Deus!" e não podia estar mais certo. As atrocidades e as injustiças historicamente documentadas que, hoje mesmo, continuam a dividir pessoas, povos, nações inteiras, estão no filme bem retratadas (até de forma gráfica). E no fim, tudo não passa de uma questão de poder. Quantos mais somos, mais força temos. Quem não está connosco, está contra nós. E quem não acredita ou defende o mesmo, não merece partilhar espaço comum.

Para Hipátia de Alexandria, uma mulher tremendamente à frente do seu tempo, não ver além do pensamento lógico teve consequências graves. A sua inconveniência reiterada valeu-lhe o rótulo de bruxa e castigo "a preceito". Mas pensando bem, de então para cá, pouco mudou. Não se despe, apedreja, arrasta pela rua ou queima na fogueira quem decide manter-se fora de esquemas hipócritos, mas permite-se tempo de antena global a "artistas" como Bento XVI, que em pleno século XXI, transmite ao mundo pérolas de Razão e de Sabedoria como as constantes na sua mais recente Mensagem de Natal.



"Fiel ao mandato do seu Fundador, a Igreja é solidária com aqueles que são atingidos pelas calamidades naturais e pela pobreza, mesmo nas sociedades opulentas. Frente ao êxodo de quantos emigram da sua terra e são arremessados para longe pela fome, a intolerância ou a degradação ambiental, a Igreja é uma presença que chama ao acolhimento. Numa palavra, a Igreja anuncia por toda a parte o Evangelho de Cristo, apesar das perseguições, as discriminações, os ataques e a indiferença, por vezes hostil, mas que lhe consentem de partilhar a sorte do seu Mestre e Senhor."

Aahh, realmente, assim tudo fica mais justificado e aceitável... Fala o Vaticano, antítese última da opulência, na pessoa de Sua Eminência, o Papa, personificação perfeita da solidariedade para com os desgraçados (que não calçam Prada). Eis senão quando esta personagem é derrubada por uma "lunática". A filmagem passa repetidamente em múltiplos canais de televisão e confesso, ri-me sozinha. De facto, nos tempos que correm, insolências assim fazem apetecer uma de duas coisas: desatar à gargalhada e desvalorizar ou saltar-lhe para os paramentos e apertar-lhe o pescoço. Terá o acto ficado a meio da intenção?

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