segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"Não sei lidar com crianças, mas posso colar selos!"

Sexta-feira que passou dei um pulo à Fundação do Gil para conversar com a Margarida Pinto Correia acerca dos avanços dos vários projectos ali em curso. O resultado foi uma entrevista de duas horas, para mim, uma verdadeira wake-up call, pois deixei o lugar pensativa, a achar que nem comecei a levantar o véu à dimensão das realidades com que a instituição se debate diariamente.

Há histórias inimagináveis para quem, como eu, teve a sorte de nascer e fazer-se gente num meio estruturado e protegido. Abandono por falta de capacitação da mãe, negligência na assistência a fragilidades e doenças, permanências clínicas desnenessárias, que se prolongam porque devolver a criança ao pai significa identificá-lo como ilegal no país, vidas que se perdem, literalmente, porque "valores" mais altos se levantam na hora de assinar na Guiné Bissau um visto para um internamento pediátrico em Portugal... Repito, um internamento, não uma oportunidade encapotada para imigração...


Mas também há episódios onde o amor, a esperança e os laços emotivos que se criam entre as equipas da Fundação do Gil - a carismática gotinha de água da Expo 98 que não chegou a ser devolvida aos Oceanos - e as crianças acolhidas abrem portas a recuperações bem sucedidas e a desenvolvimentos sustentados.


Gostava de poder imitar a Margarida, ou outras Margaridas que felizmente por aí há, e fazer a diferença no percurso de alguma destas crianças. Chorar de revolta no carro quando as coisas não correm bem - porque muitas vezes é assim que acaba - e rir à gargalhada com as situações caricatas que também se dão. Mas duvido que fosse capaz.

Curiosamente, ela pensou o mesmo quando a Parque Expo lhe estendeu o convite e hoje, anos volvidos, para além do rosto mediático da instituição, faz questão de receber todos os voluntários que ali chegam em ânsias. "Não sei lidar com crianças, mas se for útil, posso colar selos!", disse-lhe um.

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