segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

As bestas humanas

Aviso: a quem espera comprar bilhete para ver "A Estrada" e deparar-se com um popcorn moovie, desista e opte por outra película. A perspectiva agonizante de uma América pós-apocalíptica levada às salas de cinema por John Hillcoat (celebrado em No Country for Old Men) releva-se tão austera e desoladora que desafia o prazer da ída ao cinema. E contudo, dizer que se trata de um filme mau é tremendamente injusto.



Em última análise, este é um filme onde o intento de sobrevivência da condição humana é exposto de forma absolutamente arrepiante. Salva-se o amor incondicional entre um pai (Viggo Mortensen) e um filho (Kodi Smit-McPhee) que, uma vez confrontados com a dura realidade de um país/planeta totalmente devastado por um acontecimento cataclísmico - não explorado no filme - encontram numa caminhada rumo a Sul um objectivo e uma esperança de salvação.



Eis uma crítica que encontrei algures e que me parece fidedigna: "The Road is one of the most chillingly effective visions of the world's end ever put on screen - and a heart-rending study of parenthood to boot". De facto, imaginar o fim do mundo as we know it da forma que John Hillcoat o traduz não é tarefa difícil. Algo de terrível acontece. Toda a vegetação desaparece e não existem animais que sustenham os avanços da fome. As paisagens ganham contornos fantasmagóricos, em invariáveis tons de cinza e amarelo, e as cidades deixam de ter nome ou fronteira. Sobram farrapos de pessoas, feitas canibais, que não olham a meios para persistir. Uma lata de Coca-Cola numa máquina velha de refrigerantes é um achado de levar às lágrimas, enquanto que notas de dólar voam no chão, sem dono nem valor.



Interessante verificar que nem as personagens recebem nome neste filme, uma opção guionística que atesta o minimalismo pretendido para as vidas que retrata. A mãe (Charlize Theron) é recordada em flashbacks que enquadram e justificam a sua reacção de abandono e morte. O leque de estrelas termina com Robert Duvall, numa breve aparição em que representa um velho moribundo, em viagem pelo mesmo caminho que as personagens centrais.



No desfecho, a única crítica menos positiva que "The Road" me merece: alguma incongruência na aparição da nova família (e respectivo quatro patas) que prontamente se propõe a adoptar o rapaz (já órfão) e oferece ao público uma antevisão de fim quase "animadora". Embora se preferisse algo mais alegre, por exemplo, a dita chegada a Sul, não encontrei cabimento no desprendimento da mood melancólica que durante todo o filme nos deixou de coração pesado. Já dizia o outro, "finais felizes são histórias que ainda não acabaram"...

1 comentário:

João Nabais disse...

O filme é bom mas aquele final... É mais ou menos como ver o Rocky a dar uma valente tareia no adversário e a 2 segundos de acabar o combate levar um enorme "selo" e ficar KO. Em suma, o final é péssimo.